CARTA AO FUTURO PREFEITO: Ideias para Considerar a Logística em seu Plano de Governo

Um bom político tem duas grandes qualidades: é ético e realiza o que promete. O senhor, este ano, tem um belo desafio pela frente. As eleições estão bem próximas e é importante apresentar ideias concretas e viáveis para que os eleitores escolham você e não o seu concorrente.

Não vou tratar de questões ideológicas nesta carta. Sei que é quase impossível separar política de ideologia mas vou tentar me restringir a questões técnicas da logística na cidade, por aspectos óbvios.

Um bom candidato tem sempre uma boa proposta, uma equipe capaz de executa-la e consegue pelos votos a governabilidade necessária para ser eleito e implementa-la.

Sobre votos não comento nada, acho que se me candidatasse a sindico em meu prédio não seria eleito, sou péssimo nesta coisa de conversas e promessas. Só peço que respeite a fé que o eleitor depositará em você e se comprometa em cumprir o que prometer.

Sobre sua equipe digo duas coisas. Primeiro lembro o ditado: diz me com quem andas que eu te direi quem és e em seguida me direciono para as questões técnicas.

Não existem nos quadros municipais atuais muitas pessoas adequadamente capacitadas para tratar questões de logística urbana. Na década de 70 o quadro era o mesmo em relação ao transporte público e ao tráfego de veículos nas cidades. Graças ao GEIPOT, órgão já extinto do governo federal, foram criados e disseminados cursos por todo o Brasil que capacitaram os quadros técnicos para tratar minimamente as questões de transporte público e transito. Resultado, hoje temos em algumas cidades equipes muito capacitadas para atuar nestes temas tanto em planejamento, projeto quanto operação.

Aqui vai a primeira ideia. Depois de assumir, espere as energias negativas captadas durante a campanha se dissiparem, deixe de lado o fígado e com o cérebro e o coração selecione atentamente nos quadros do município um time para atuar em Mobilidade Urbana e os capacite o máximo que puder pois a qualidade das suas ações dependerá principalmente disso.

Por que? Por que mobilidade urbana é um dos grandes desafios para as cidades nos próximos cinco, dez, vinte anos. Afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas e a saúde econômica da cidade. Você terá que atuar fortemente nesta dimensão durante a sua gestão se quiser ser reconhecido como bom gestor público pelos cidadãos e aumentar sua chance de reeleição.

Como principal diretriz para esta equipe que vai formar uma dica: Pensar a Mobilidade Urbana como Mobilidade para as pessoas e acessibilidade para as mercadorias. Esta segunda parte é normalmente esquecida e aos poucos vem matando as atividades econômicas das cidades brasileiras em processos lentos de anorexia.

Continuando nossa conversa, vou desenvolver melhor minha afirmação. Quando um prefeito restringe a circulação de caminhões em determinados horários e regiões, pensa na melhoria do transito e circulação das pessoas e o faz na melhor das intenções. Mas neste momento inicia-se um conjunto de dificuldades para os lojistas, transportadores, fabricantes que podem impactar pouco ou muito nas atividades econômicas. Conheço pontos comerciais que faliram em função destas restrições.

Tem situações que estas ações são necessárias, mas devem ser devidamente estudadas para não reduzir a vitalidade econômica dos negócios na região afetada. Temos exemplos dramáticos disso. O ABC paulista foi um polo de industrialização e hoje apresenta grandes vazios urbanos e muito desemprego. Um dos motivos foi a dificuldade da indústria automobilística em operar Just in Time (reposições em momento certo) no suprimento das linhas de produção de suas fabricas. Hoje estes polos geradores de empregos foram deslocados para o sul e nordeste do Brasil, regiões sem estas restrições. Ficou no ABC o desemprego e os vazios urbanos desvalorizados.

A implantação de restrições de circulação nas avenidas marginais paulistanas é outro exemplo, disparou um gatilho semelhante e muitas atividades comerciais já estão se deslocando para o cinturão externo ao rodo anel ou para outras regiões do estado ou do pais.

Algumas ações deste tipo podem ser tecnicamente necessárias mas tem que ser construídas dentro de uma visão sistêmica ampla que considere inclusive as externalidades de longo prazo. Mesmo que estes impactos só surjam após sua gestão, este será um legado bom ou mal que você como administrador público vai deixar para as pessoas que acreditaram em suas ideias. Seja ético e consciente com este fato. O Brasil precisa de políticos que cumprem o que prometem e fazem melhor do que se esperava, seja um deles.

Outro aspecto importante que gostaria de discutir com você diz respeito ao papel e a força dos diferentes atores econômicos e representativos da cidade em relação a logística e como concilia-los.

Logística é elemento essencial para qualquer atividade econômica e é natural que todos os atores estejam minimamente mobilizados para ela. Quando o poder público baseia as decisões apenas nas propostas do seu quadro técnico, deficiente neste tema como discuti anteriormente, as soluções saem de forma míope e enviesada. Estas soluções equivocadas são geradas algumas vezes por pressão de alguns atores econômicos com interesses específicos, outras vezes por incompetência técnica e outras por ignorância do tomador de decisão (que no ano que vem pode ser você, cuidado). Lembre-se sempre destes três Is (Interesse, Incompetência e Ignorância) pois são os grandes problemas da administração pública hoje e você deve lutar contra eles.

Aqui vai outra ideia: Trate as decisões que afetam a logística da cidade com transparência e participação. Coloque os principais atores sentados juntos e construa soluções coletivas. Por exemplo vai restringir a circulação de veículos de carga em uma dada região coloque comerciantes, operadores logísticos, moradores e técnicos públicos sentados em uma mesma mesa e construa nela a proposta técnica para esta ação. Você vai transformar opositores em defensores de suas ações e aumentar a governabilidade.

Durante este processo você vai perceber a outra grande carência municipal: faltam bases de dados confiáveis e adequadas para tomadas de decisão. Aqui está uma outra oportunidade. Crie uma ação do tipo PPP Participação Publica Privada para construir uma base de informações especializada e ampla que permita análises técnicas de curto e de longo prazo. Fica aqui mais uma sugestão: Tome decisões sempre com base em fatos e dados e esteja atento aos resultados e impactos não só de curto, mas também ao longo prazo.

Finalmente reserve algum recurso do seu orçamento para fazer pequenas intervenções, eu disse pequenas, na infraestrutura urbana voltado para a melhoria dos fluxos de mercadorias nas cidades. As grandes intervenções devem ser voltadas para a mobilidade das pessoas, mas sempre avaliando o impacto na acessibilidade das mercadorias. Coisas como corredores exclusivos de carga são questões fora de cogitação para a realidade brasileira. Nosso pais é pobre e precisa de soluções que reduzam esta pobreza e não que aumentem a diferenças sociais já tão grandes.

Vou listar agora os quatro principais problemas das cidades brasileiras em termos de logística urbana e certamente alguns deles ou talvez todos existam na sua cidade. Estes problemas vêm sendo identificados e estudados pelo CLUB Centro de Logística Urbana Brasil e pelo LALT Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes nos últimos cinco anos através de interlocuções com os atores de diversas cidades brasileiras. É importante destacar que estes problemas têm dimensões proporcionais o porte das cidades. São quase insolúveis nas megalópoles, de difícil tratamento nas metrópoles e regiões metropolitanas e mais simples a medida que o porte da cidade diminui. Como você deve pensar no longo prazo, sugiro que, mesmo que sua cidade seja pequena, planeje as ações e vá se preparando para quando ela crescer. Esta é a forma ideal de um prefeito trabalhar.

Os quatro problemas mencionados estão relacionados às cidades hub, aos centros históricos, aos clusters periféricos e às favelas.

As Cidades HUB são cidades com aeroportos ou portos que lhe dão conexões globais cuja influência transcende os limites do município. Estas conexões trazem benefícios e problemas. Facilidade de exportação e importação, grande atração de atividades econômicas para a região, grande fluxo de pessoas movimentando a economia local vem junto com grandes fluxos de caminhões afetando o transito local e possível disseminação de doenças pelo fluxo de estrangeiros.

O Centro da cidade, as vezes também com diversos patrimônios históricos e ruas estreitas, apresentam muitas restrições para veículos de carga e precisam um tratamento especial e muito sintonizado com os comerciantes e moradores da região.

Os clusters da periferia e dos bairros criam problemas de estacionamento de veículos e uso indevido de calçadas. Estes clusters devem ser tratados de forma a não contaminar regiões residenciais e ao mesmo tempo garantir os negócios que naturalmente surgiram.

As favelas e regiões degradadas que em algumas cidades são parcela significativa do território e não tem nenhuma infraestrutura para permitir um adequado fluxo de mercadorias. Cuide bem destas áreas pois são muito penalizadas pela falta de serviços públicos.

Já conversamos bastante e aqui vou encerrando minha carta. Aproveito para mandar um recado aos seus futuros eleitores: Por uma cidade eficiente, vote consciente.

Torço para que você seja eleito e reafirmo que voto é fé e compromisso. Faço um último pedido. Respeite a fé que seus eleitores vão depositar em você e cumpra o que prometeu com ética e respeito. Boa sorte.

PARA O LEITOR:

Esta carta foi apresentada em 6 partes no Facebook. Se desejar ler as demais visite minha página do Facebook: www.facebook.com/orlando.f.lima

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